sexta-feira, dezembro 26, 2008

Céu sem nuvens – alguém me disse que, em caso de obsessão com limpeza, sem nuvens agrada mais – e só azul acima, branco abaixo. Enxergo os gritos roucos do vento – fácil acreditar em deuses gregos assim – preenchendo a imensidão de espaço ao redor, mas há pouco espaço para nos equilibrarmos. Os gritos como se chocam contra nossos braços – estamos aqui, é impossível ignorar ou fabricar a impressão de marasmo apenas com base na visão, dizem –, ainda que nesta ilha sem mar tudo pareça dizer paz, a inquietude é inevitável.

Olho para ele quando me enjôo do azul. Alguns traços me incomodam desde a primeira vista – neste momento, não surgiu espontaneamente a paixão –, como o nariz e a sobrancelha que denunciam certa arrogância. Em verdade, procuro não olhar, mesmo durante nossas conversas. Prefiro a transcendência, a presença não-material e, mesmo assim, não passível de distorções todas, que me permite maleabilidade e, espero, não exige compromisso com espaço e tempo.

- Você nunca prende os olhos lugar nenhum, ele diz.
- Acho que tenho problemas de concentração, ironizo toscamente.

Não quero conversar agora. De certa forma, culpo-o por estarmos aqui, assim. Os olhos enganam liberdade, horizonte a toda parte. Mas não há como sair daqui, cinco metros de raio, eu e ele e nada muito mais. Ele se sente melhor que eu, consegue como catalisar bem-estar, para não dizer felicidade, com um sorriso meu, uma nervura no azul, uma brincadeira solitária que envolva entortar os dedos – a minha impressão é que lá dentro exista um homenzinho completo de razão que constrói prédios de centenas de andares com a certeza de que nunca cairão. Não há homenzinhos completos de razão em mim, nem mesmo mulherzinha completa de emoção. Em verdade, talvez haja uma criança meio deformada que cai queda infindável, inércia em queda, acho.

- Poderíamos nos jogar daqui, também, sugere. A sensação seria interessante, apesar de não haver garantia de mudança. Quer dizer, mesmo assim eu estaria do seu lado.
- ...

Como dizer: não é isso que me incomoda, mas essa distância entre você e eu. Didaticamente. Pontes resistentes e confiáveis se abrem algumas vezes para a passagem de navios. Em relação inversa de tempo, ligamo-nos. Ainda assim, tenho a impressão de que ligamo-nos com fragilidade, tanta que não se confia de fato na ponte para atravessá-la. Eu continuo aqui. Nalgum momento passado, achei que gritos de um lado para o outro significassem a única proximidade possível. Em verdade, ali nos uníamos. Hoje você não grita mais. Eu me sinto tão menor, tão fraca – e os gritos causariam estranhamento, não cabem em cima da mesa, deixa para o vento, isso.

- ..., respira.
-

Eu e você aqui, isolados, seu corpo colado ao meu, tão distante. Chego a imaginar a distância corroendo minhas extremidades, tão dolorida porque incontornável. Mas nem tudo inércia, há um momento de escolha, adoção do silêncio – quando finda a esperança de compreensão, a memória em comum é relegada, distância e dor aceitas. Continuo ali, mas acabou.

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