terça-feira, novembro 24, 2009

2031, um café

Vinte e dois anos depois. Combinamos um café na Guatemala – café forte. O cabelo encaracolado que antes lhe apertava o escalpo agora deslizava, com percalços, pelos ombros. Ainda usava óculos, pois que lhe era difícil enxergar no escuro. A ponto de, mesmo reticente ao contato físico, agarrar-me a mão dentro de um bar claustrofóbico. Deixara de comer carne e tomar leite. Meditava todas as manhãs.

Eu trazia a vela, uma promessa. Meus cabelos estavam mais curtos, ralos. Minha visão desdenhava do tempo. Não me apegara ao esoterismo, decidi voltar às raízes e dedicar-me ao catolicismo. Fiz amizade com o padre da paróquia. Eu o ajudava a comprar as velas, dirigia a camionete com centenas na caçamba. Buscava paralelos com a promessa. Mantinha-o perto de mim, mantinha-me em volta de velas.

Alcancei-o primeiro. A calma da meditação não amenizava o nervoso: batucava os dedos na mesa, jogava o cabelo para trás, olhava para o céu vermelho do fim de tarde. Não me viu até que toquei na cadeira à frente dele. Na verdade, primeiro viu a chama. Sorriu como em 2009, sorriso privilegiando as gengivas.

Ele fazia 50 anos. Na testa, notei as marcas da expressão curiosa da juventude sem que ele tentasse me mostrar. Conseguia vê-lo indagando o mundo no intervalo de duas décadas. O exercício de nos imaginarmos, cada um num hemisfério, expandia os poucos encontros de um verão distante.

Eu tentava aceitar a meia-idade. Escondera os braços em uma blusa de manga, ainda que fizesse calor. Afundei os óculos escuros no rosto para disfarçar as rugas. Caso ele ainda me imaginasse jovem.

Tocava música antiga, cantada em inglês. Um aparelho de CD repousava ao lado do caixa. Fazia menos barulho do que as pessoas. Ninguém se dava ao luxo do silêncio. As ondas batiam forte, acrescentando o tom grave à cantoria.

Sorri em resposta às gengivas.

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