Numa época, decidiu que iria se dar tempo: não seguiria o relógio de Greenwich, não pensaria em horário de verão nem se espremeria na hora do rush. Todas as horas seriam suas e por isso queria dizer que as convenções sociais passariam longe delas – estava meio cansada de se angustiar antes mesmo de agarrar o celular na bolsa para checar o horário.
A decisão significou nada. A quem não trabalha, não existem horas. A quem a cama pode acolher eternamente, não existe distinção de quando. Acontecia de outro jeito, o negócio do horário. Enquanto andava, não raro via algo que a distraía. Parava. Como se uma ação suspendesse outra imediatamente. E lá ficava. Não raro também Jorge se via obrigado a gritar algo como ‘alô, estou aqui’. Costumeiramente lançava a solução de tirar fotos e depois colocar no mural. Em casa havia ventilador. Na maioria das vezes, no entanto, Jorge cedia. Enquanto hipnotizada por duas crianças bamboleando, sentia o algodão da camisa dele, braços com braços. Jorge sonolento, ela enlouquecida por qualquer coisa que decidira ser a mais bela e venerável do momento.
Como ao acordar de um sonho, piscava e se levantava sem aviso prévio. Jorge acompanhava, a conversa retomava seu rumo. Achava que aquele, definitivamente, era o hábito mais saudável da suspensão do tempo social. E de seu próprio tempo de compromissos. Também não queria ocupar uma linha fina de uma agenda de couro preto com o horário à brasileira: 19h30. Preferia encontrar ocasionalmente, aos fins de semana ou ser visitada de surpresa. Ainda que a visita pudesse ser surpreendida pela falta de tempo dela a ser dedicado aos outros naquele dia.
Acontecia. Aconteciam outras coisas. Até que um dia lhe pediram para assumir uma linha de roupas infantis no Brás. Sorridente, aceitou e comprou um relógio.
sexta-feira, março 13, 2009
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Um comentário:
gosto tanto de passar por aqui.
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