quinta-feira, fevereiro 19, 2009

No calendário da compreensão, ele foi o único com quem ela aceitou jantar. Egoisticamente, contou que estava se sentindo cansada dos amigos e da cidade. (20 minutos num solilóquio. Sendo 10 numa inteligente divagação sobre o que é o cansaço, a quem se indica e quais são seus efeitos colaterais, 3 sem fôlego sobre a amiga Ká, 5 sobre não gostar dos bares X, Z e F e 2 em que havia um lapso de otimismo enquanto beliscava azeitonas sem caroço)
Então ele arregaçou as mangas e começou – parecia saber exatamente o porquê de estar ali. Concordou com dois pontos da divagação inteligente sobre cansaço, acrescentou oito, não sem soprar realismo cruel – não pessimismo, tão prejudicial quanto seu inverso – naquela visão um tanto ingênua que ela insistia em propagar em papel-bíblia por aí. (50 minutos num solilóquio. Nos primeiros 10, reapresentou a questão cansaço com outra lente, na qual ela parecia ter dois anos e dormir com Teddy e ele ter quarenta e o hábito de fumar charuto e tomar whisky às cinco da tarde olhando o pôr-do-sol. Nos próximos 5, engoliu três azeitonas enquanto expressava a maturidade de um rapaz à frente de seus pares. Algum verde sobrou em seus dentes, mas ele não percebeu nos outros 35 minutos em que citou dois livros – um deles de Goethe, sem esquecer a qualidade filosófica do autor –, quatro colegas que tomam remédios controlados e nenhuma história própria relacionável às mazelas e tristezas de jovens que moram em cidades um pouco amareladas e desprovidas de criatividade)
Ela sorria meio cinza e notava o fim brusco das azeitonas. Ele pediu amendoins. Ela, ainda cinza, utilizou 30 segundos para, mãos torcidas, dizer que sabia quão limitada era em suas reflexões nem um pouco filosóficas, mas completamente cegas pela emoção (i.e., tédio). Em 2 segundos ele alcançou a mão dela e negou tudo o que ela havia dito. Sabia o quão inteligente ela era, o quão grande e como se destacava diante de todas as outras mulheres que ele conhecera. Teve 2 minutos para lhe dizer que era profunda e isso se via no olhar dela, acrescentando nesse parágrafo elogios à boca e às maçãs do rosto, junto de carinhos nas mãos e nos cabelos. Em 2 milésimos ela corou. E aí nenhuma defesa seria possível: ali, tinha dois anos e dormia com Teddy. Passou 10 minutos calada. Na noite inteira, passou 3 horas calada. Ele contou de suas viagens e seus projetos como roteirista de curta-metragens. Elegeu seus filmes preferidos, separando-os por continente e isolando os norte-americanos dos sul-americanos. Previu a carreira de Sam Mendes e a de Danny Boyle. Ela sentiu calor por 2 horas e 45 minutos. Sentiu vontade de dormir com ele. Ou de não dormir. Ou de dormir ao som da voz dele, qualquer o assunto. Ele se sentiu mais velho e mais forte por mais de 4 horas. Sentiu poder não dormir com ela. Achou três defeitos e os escondeu com dois amendoins.
Ela lhe disse que naquele mês ele era a única pessoa capaz de compreendê-la, e ele o fazia da melhor forma possível. Ela lhe disse que, naquele mês, todos os conjuntos de sete dias pareciam determinados à compreensão de um só – ele. Ela lhe disse que não se afastaria, naquele mês, de alguém que tanto bem lhe trazia. Em 2 minutos. Ele sorriu desarmado. Havia sido escolhido pelo calendário. Em 10 segundos, percebeu que não existiam dois caminhos. Nem um retorno.

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