segunda-feira, fevereiro 09, 2009

DR n. 23

- Não pode ser mal, começar algo assim. Quer dizer, acho que já nos magoamos até onde era possível. Não dá para ter mais, né?
- Acho que não. E não é como se só um tivesse se magoado – nós dois sofremos.
- Sim, sofremos muito.
- E agora está tudo diferente.
- Claro, estamos numa cidade diferente, temos quatro anos a mais, alguma independência, nos conhecemos, já nos decepcionamos um com o outro, nos magoamos, choramos, sofremos.
- É, passamos por todos os passos de um relacionamento duradouro em crise. Ainda que na verdade só estivéssemos juntos por algumas semanas.
- Foi intenso.
- Claro que foi.
- E por isso tanta coisa aconteceu.
- Claro, claro.
- Mas você mudou. Quer dizer, eu buscava outras coisas em você antes. Acho que eu queria sua ousadia, sua leveza, sua loucura. God knows o quão tediosa minha vida tava.
- E agora, oooutro panorama. Diferente, muito.
- Agora eu sei que você perdeu essa ousadia, minha culpa, eu sei, eu sei. Mas você ainda faz o que sente vontade, é só que pensa mais um pouco nisso.
- Realmente eu não pensava muito antes. Não ficava calculando conseqüências. Achava que tudo era imprevisível. Mas na realidade é só pensar um pouco que dá para ver o futuro ali na frente.
- Você acha?
- Acho sim.
- E o que você vê pra gente?
- Ah.
- Diga.
- Ah. Continua me dizendo no quê eu mudei, vai. Tô curiosa. Você sempre acerta.
- Tá bom, vai. Eu sei que tudo aquilo te mudou. Eu gostava do seu jeito desleixado de se vestir, da sua bagunça. Hoje você é mais séria, mais reflexiva, mais densa. E isso também me atrai muito.
- Mesmo?
- Claro. ....
- ....
- Parece um pouco que antes era a mim que você recorria para aprender as coisas. E hoje é o contrário.
- Ah, eu não acho que exista isso. Sempre trocamos muita coisa.
- Mesmo que eu tenha aprendido muito com aquilo tudo, eu vejo que você envelheceu muito mais que eu.
- Eu envelheci?
- No bom sentido, claro. No sentido de que está mais sábia.
- ....
- E eu? No que eu mudei?
- Bom, se você tá dizendo que eu envelheci mais...
- Não fala assim, você entendeu o que eu disse.
- Entendi e estou usando isso como ponte pra minha análise.
- Ah é? Vamos ver onde vai essa análise.
- Ué, vai que você não mudou nada. Quem envelheceu e aprendeu fui eu. Você continua o mesmo. O que mudou é que eu aprendi a lidar com você.
- Quê?
- Eu aprendi a lidar com você. Você continua oferecendo suas pílulas de sabedoria, mas eu não engulo. Não é por isso que eu estou com você. Mesmo que isso de vez em quando tenha a sua graça. Eu não estou com você por que você pode me ensinar sobre a vida.
- E aí, por que então, gostosona?
- Você não sabe, mas quando a gente terminou o que eu mais senti falta foram as nossas brincadeiras. ... Somos almas gêmeas do senso de humor.
- Ah é? E por que eu não achei isso engraçado?
- Porque não era engraçado. É uma observação. E cabe a nós. Só isso.
- Eu não sabia que você também tinha esvaziado a sua vontade de trocar e aprender coisas sobre a vida.
- Não esvaziei.
- Mas também não quer isso de mim.
- Não. Não mesmo. Desculpa, mas acho que esse negócio de aprendizado é meio solitário. Por que se for o que é determinado pelos outros, não vai ser nunca aplicável a mim perfeitamente. Não que exista aplicação perfeita, mas você me entende. Aprender é uma atividade solitária. Atividade conjunta é rir, dividir a vida, as coisas.
- Beleza.
- Que foi?
- Nada.
- Pode falar, fala logo.
- Tô decepcionado.
- Aimeudeus.
- Achei que você tivesse amadurecido.
- Ué, eu amadureci. Amadureci MESMO.
- Não. Você decidiu ignorar as coisas mais complexas. Quê é esse negócio de aprendizado solitário... Egoísmo, idealismo, escapismo, qualquer coisa assim. Sinceramente, viu.
- U la la.
- Já vai começar a ironia.
- É, já vai começar a ironia mesmo. Por que essa discussão é tão idiota que eu não consigo levar a sério, não posso.
- Você nunca leva a sério.
- Então vamos ligar os pontinhos: nunca levo a sério por que sempre é idiota.
- Cara, nenhum senso de humor vale isso. Cagou tudo.
- Ah é?
- É.
- Beleza. Tá bom. De mágoa já deu, temos o suficiente. Agora é pelo lado da razão que a gente não consegue ficar junto.
- Acho que sim.
- E tá tudo bem?
- Tá tudo ótimo.
- Tá vendo? Por isso eu não quis dizer o que eu via pra gente.
- Ah, até parece que no começo disso você já sabia que a gente ia ficar de saco cheio.
- Era meio óbvio.
- Por que você começou com essa merda toda, então?
- Por que eu tava com saudade de você.
- Saudade, sério?
- É.
- ...
- Tá bom. Chega aqui um pouco.
- Tá.

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