sexta-feira, dezembro 12, 2008

treino

Há uma corda bem no alto, embaixo nada, com chão. Mas se está em cima e o único caminho a seguir é a corda. Assim, os pesadelos comuns e óbvios são uma metáfora básica e utilizável por qualquer um que preze a didática e a compreensão. Coloquemos assim: a corda é o discurso retórico – há ali uma força enorme para comprovar a racionalidade e a paz de espírito, está tudo bem, consigo respirar em um ritmo compassado, há fala com pausas e ponderações, antes treinadas diante do espelho, sei que pouco se pode fazer diante das desventuras da vida, da inevitabilidade de nossos caminhos durante os próximos dois meses, da necessidade de calma e do controle, sentir-sentir não se vê, não, esconde-se atrás da retórica, dos gestos, mãos que repousam no colo, ajudam no preparar da comida, seguram firme o copo de cerveja, esconde-se sentir por que é suposto que a racionalidade pacífica seja o único mote da corda, ali descansa a racionalidade em seu nível mais elevado.
Embaixo, assim como em volta, didática, primeira linha do texto: nada + chão, nada + paredes. Espaço de pouco ar, se só paredes, então, de pouca ventilação. Dá para desenhar no quadro, se ficar melhor de entender *. Há muito que preencher com o oposto do que representa a corda. Espaço muito para que se olhe para paredes e enxergue dois, três olhos, elefantes e o prédio de O bebê de Rosemary. Possibilidade muita de que se ouça um tamborim, folhas secas sendo pisoteadas e bolas de basquete quicando. Em verdade, as alucinações seriam o melhor que otodoaoredor tem a oferecer. Diante de um caminho estreito, cordabamba, o natural – é bom tomar nota agora – é que o desespero tome conta em um nível de 5 a 10, nota máxima. Recusar segui-lo implica congelar-se num pequeno ponto. Paralisação. E não há recusa concreta, por que ele toma conta. Desespero, tenho dito, é paralisação. Transportando a metáfora barata para o quarto de um infeliz, imobilização ocorre em um espaço pouco maior, pode-se dizer, a cama.
Não quero defender a beleza da paralisação e do desespero, mais relacionados ao lado negro que à lâmpada fria da racionalidade. Todos querem chegar ao fim da corda, quem sabe há cerveja gelada por lá. Racionalidade é como caminha de gato ** – ou cachorro –, leite aquecido ali na frente, possível trocar por álcool, que nos conforta com lógica, chão, parâmetros, idéias, essas coisas que homens tanto gostam***.
Mas falta ar. Falta equilíbrio. Falta humanidade. Estamos imersos, em verdade, na emoção.

* Quem está em vias da tentativa de se equilibrar na cordabamba não está vestido com motivos circenses.
** Pode parecer um pequeno crime dizer que a racionalidade é caminha de gato, se gatos são animais e o que nos conforta em relação à racionalidade é principalmente nossa diferença diante dos animais, instintivos, irracionais. No entanto, não se revoltem, caminhas de gato são uma invenção completamente racional e humana, na tentativa de permitir que o animalzinho de estimação se torne um membro da família criam-se elementos que o humanizem.
*** Tenho lido David Foster Wallace.

Nenhum comentário: